Quadrinhos, animes e Literatura

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"Alguns livros devem ser degustados, Outros são devorados, Apenas poucos são mastigados E digeridos totalmente." (Cornelia Funke, Coração de Tinta.)

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender



 Quando eu comecei a jogar com as minhas filhas, não tinha a menor noção, nem intenção educativa. Tudo o que queria era brincar e interagir de uma maneira que eu também gostasse (sempre detestei brincar de casinha, minha boneca era aventureira). Contudo, com o passar do tempo, observei ali uma oportunidade educativa. Hoje, olhando para a saga que criamos e os frutos desse relacionamento mãe e filhas, entendo melhor a frase de Adélia Prado. Diz ela: “Não quero faca nem queijo; quero é fome”. Li essa frase no livro de Rubem Alves, “O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender”. Ali entendi que, em educação, não basta por a mesa, é necessário despertar a fome.
Rubem Alves começa o livro sentenciando: “Curiosidade é uma coceira nas ideias”. Ele nos conta a história de Dinéia, 7 anos, carinha redonda, sorriso mostrando os dentes brancos, trancinhas estilo afro. Estava muito curiosa sobre o uso das ferramentas. O poeta nos conta que seu rosto estava iluminado pela curiosidade e pelo prazer de desvendar um mundo que não conhecia, mas ressalta que, Dinéia, ainda não tinha sido deformada pela escola. Quão nocivo pode ser para uma criança ser obrigada a comer o que não lhe apetece ou não tendo fome? Rubem Alves esboça uma resposta com a reação de seus filhos quando obrigados a comer na casa da parenta distante Alemã. Eles vomitaram! Nas palavras do poeta: “Sem fome o corpo se recusa a comer. Forçado, ele vomita”.
 A analogia é assustadora, talvez até exagerada, mas o fato é que impor estudo sem estimular a curiosidade mata o interesse do aluno, além do ocasional desestímulo criado pela elaboração precária de certos conteúdos. Isso me incomodava, queria que elas tivessem interesse pelos livros. Queria mostrar que um livro é um universo com leis, personagens e características próprias. Que, a cada livro aberto, um novo universo se descortina. Não existe tédio, nem monotonia. Não existe essa coisa de não gostar de ler, você só ainda não achou o livro que te faz salivar.


Referência:


Bom apetite!

sábado, 23 de maio de 2020

Mongrel - Os Nove Reinos




    Terminou no último sábado, 16 de maio, o primeiro livro da G&T: "Mongrel, Os Nove Reinos" um livro baseado nas aventuras de RPG das participantes do projeto Ayla Santos, Ariel Souza e Deni San. Esse projeto em família surgiu da vontade de, não só registrar 12 anos de jogos entre meninas, como também falar sobre toda aquisição de conhecimento e interação familiar que foram construídas durante esses 12 anos, principalmente em se tratando de uma família pobre da periferia do Rio de Janeiro, moradora de Cavalcanti. Num ambiente sem recursos, onde tudo era distante, foram as aventuras que fortaleceram os laços de amizade e despertaram o gosto pela leitura e pela pesquisa. Nada foi imposto, nada foi cobrado, tudo partiu da vontade de vencer os desafios e o MESTRE DO JOGO, isto é, EU. 
    No início, achei que seria útil usar as regras dos livros de jogos, com o tempo percebi que era totalmente desnecessário. Como livros base para as classes, raças habilidades usamos D&D, GURPS, e para que minha filha de 6 anos pudesse ler, usamos Tagmar (temos o livro 1, de quando eu tinha 20. Está coberto de manchas de vinho, gordura e café. Suas páginas estão mais amareladas que os pergaminhos da Era Hiboriana. Amo). Com o tempo, nosso parâmetro tornou-se a ciência e a narrativa tornou-se a pesquisa. Nossas aventuras passaram de animadas compras no shopping ao estilo Sakura Card Captors para perigosas incursões piratas com Barba Negra, Anne Bonny e James Kidd - a Mary. A menina de 6 anos cresceu, hoje em dia, lê tranquilamente em inglês, assim como a mais velha, e está começando a ler em japonês também. A leitura  passou a ser um hábito e ninguém mais fala em estudar, aqui nós pesquisamos. Por isso resolvemos contar a história dessa Saga. Ela que é um pedaço das nossas vidas, 12 anos, é também nossa metodologia de interação.
    As postagens do segundo livro  serão iniciadas no final de junho, enquanto isso vamos aprimorar os desenhos, terminar as bios  e falar um pouco sobre esse trabalho desenvolvido em família, até lá. 

Mongrel - Os Nove Reinos



terça-feira, 19 de maio de 2020

Os Engenheiros do Caos








    A dica de leitura da semana é o livro "Os engenheiros do Caos" de Giuliano Da Empoli. Nascido em Paris em 1973. Giuliano Da Empoli é um escritor e jornalista que formou-se na Universidade Sapienza de Roma e obteve um mestrado em Ciência Política no Institut d'études politiques de Paris. Ele fundou o think tank¹ Volta. Desde 1996, é colaborador regular e colunista das principais mídias impressas do país, incluindo Il Corriere della Sera, La Repubblica, Il Sole 24 Ore e Il Riformista.
   O livro tem como objetivo lançar luz sobre o fenômeno político da última década e discuti-lo, não esgotá-lo. Já na introdução, Da Empoli explica sobre o que quer falar. Pessoas como: Gianroberto Casaleggio, especialista em marketing e utilização de algorítimos, falecido em 2016; Steve Bannon, responsável pelo atual populismo americano, estrategista-chefe da Casa Branca no governo Trump; Arthur Finkelstein, judeu, homossexual, nascido em Nova York, tornou-se conselheiro de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, líder do Fidesz, um partido nacional-conservador de direita. Faleceu em 2017; Milo Yiannopoulos, jornalista, empresário e palestrante britânico. Defensor do estupro e da pedofilia, ele se autointitula "o mais famoso supervilão da internet". Atualmente se diz falido; Beppe Grillo, comediante, blogueiro e político italiano. Fundador do Movimento 5 Estrelas, transformou-se na terceira maior força política italiana; Dominic Cummings, o estrategista político britânico que atua como consultor-chefe do primeiro-ministro Boris Johnson, diretor da campanha Brexit, conseguiu atingir os indecisos pela coleta de dados. Estes são, segundo Da Empoli, os engenheiros do caos político e informativo que vivemos.
    Uma das ferramentas usadas para construção desse caos não é uma novidade, trata-se do escárnio. Da Empoli fala sobre a figura do bufão agressor cujas piadas e insultos contribuem para a demolição da ordem estabelecida. Junte isso a insatisfação com a classe dominante, a coleta de dados e os convenientes algoritmos, temos aí a receita do sucesso. Nada mais devastador para uma autoridade que o impertinente que o transforma em objeto de ridículo, diz Da Empoli. Aí mora o sucesso das fake news, não se trata de crer na mentira, mas divulgá-la para causar o maior desconforto possível àquela autoridade. Nenhuma piada é baixa demais se contribuir para a demolição da ordem dominante, conclui Da Empoli. Na sua análise, o jogo não é juntar as pessoas em torno de um denominador comum, mas mantê-las em seus grupos unidas somente pelo ódio às elites. Aqui um adendo da minha parte. Boa parte desse ódio que também é direcionado de forma extremamente agressiva para as minorias, pode ser explicado no livro "A nova segregação: racismo e encarceramento em massa", de Michelle Alexander (ed. Boitempo). A advogada dos direitos civis fala, nesse livro, sobre o ressentimento branco, ou seja, o ressentimento que a classe pobre branca estadunidense tem. Uma população que não recebe nenhum tipo de suporte do Estado e vê todo apoio dado aos negros como um tipo de proteção. Esse ressentimento do qual Michelle Alexander fala, pode ser estendido a todas as minorias que têm ou reivindicam algum tipo de amparo. É esse ódio generalizado que une os grupelhos e blinda os organizadores das consequências de suas mentiras e falta de decoro. A maioria eleitoral por eles conquistada, não é um reflexo da união por um bem comum, muito pelo contrário, é o reflexo do desejo de destruição. Sendo assim, esses outsiders histriônicos querem os extremos, a polarização. A falta de propostas concretas e o desprezo pela formação acadêmica facilitam o trabalho de manipulação de massa desses líderes e dão ao cidadão comum a sensação de pertencimento. Segundo Da Empoli, cada um passa de espectador para ator, sem nenhuma distinção baseada em grau de instrução, sua falta de formação não é mais um impeditivo para sua manifestação.

Da Empoli conclui dizendo que o objetivo do livro é trazer subsídios para o debate dando uma forma diferente de apreender a comunicação política. É exatamente isso o que acontece, "Os Engenheiros do Caos" é um livro essencial.

¹Think Tanks são instituições ou organizações voltadas para a produção e difusão de conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos. Tem a função de pautar debates por meio da publicação de estudos, artigos e da participação de seus integrantes na mídia. Trabalham temas de interesse público, como centros de pensamento dedicados a projetar alternativas e prováveis efeitos de problemas que afligem a sociedade.

Referência:
BBC. Quem é Milo Yiannopoulos,  astro da extrema-direita dos EUA que criou polêmica por declaração sobre pedofilia. O Globo, 2017. Disponível em : < https://g1.globo.com/mundo/noticia/quem-e-milo-yiannopoulos-astro-da-extrema-direita-dos-eua-que-criou-polemica-por-declaracao-sobre-pedofilia.ghtml >. Acesso em: 19, maio de 2020. 

ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2018

Youtube. Racismo e ressentimento dos brancos pobres | Silvio Almeida
 <https://www.youtube.com/watch?v=FiUwQawuHmM>. Acesso em: 19, maio de 2020. 

SOCIALISMO criativo . Think tank. Socialismo Criativo, 2019. Disponível em<https://www.socialismocriativo.com.br/think-tank/>. Acesso em: 19, maio de 2020. 


 MESQUITA, Fernão Lara. O livro que (quase) mata a charada. O Estado de São Paulo, 2020.
Disponível em: <https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-livro-que-quase-mata-a-charada,70003307123>. Acesso em: 19, maio de 2020. 

VOLTA.“Gli ingegneri del caos. Teoria e tecnica dell’Internazionale populista”, di Giuliano da Empoli. Rassegna stampa
<https://voltaitalia.org/2020/02/13/gli-ingegneri-del-caos-teoria-e-tecnica-dellinternazionale-populista-di-giuliano-da-empoli-rassegna-stampa/>